5.10.2016

Comecei a escrever – isso depois de trabalhar em uma Redação


Estranhou a frase? Isso acontece todos os dias na imprensa e eu também estranho. Há mais de 16 anos estou ligada à imprensa, dentro, ao lado, cercada por ela! Aos poucos, fui migrando da área Jurídica para a Comunicação, o Jornalismo, passando a me interessar cada vez mais em escrever.

Mas tem coisas que me assustam nas pessoas que escrevem para jornais, revistas, sites. Não é apenas a falta de conhecimento sobre alguns assuntos muito sérios, a superficialidade, os erros grosseiros que podem ter sido cometidos em função de vários motivos, até pelos prazos exíguos.

É a falta de equilíbrio, a parcialidade, é o fato de deixar de ouvir os dois lados, fatores que são princípios lógicos quando se pensa em Justiça. Assim, para quem veio do Direito, isso causa enorme desconforto.
Essas notícias abaixo foram publicadas nos últimos dias. Vou suprimir a identificação porque não é isso que interessa em nossa discussão, mas o modo como é escrito/descrito:

“X” é morto após matar, a facadas, dois “Zs” em …

Interessante, a reação foi noticiada com destaque, mas nada da ação que a provocou. Não li nada antes, nem em portais movidos à velocidade da internet, sobre uma pessoa que havia matado outras duas.
Essa é uma postura que parece se repetir. Sim, pode ser que os veículos busquem dar a notícia mais recente, a mais “fresca”, mas acabam por emitir juízo de valor quando noticiam dessa maneira, já que a situação descrita ocorreu em sequência. “Como, por que ele morreu?”, pode ser uma leitura, enquanto que outra seria “a forma direta de contar uma história: “X” havia matado duas pessoas e, como consequência, acabou sendo morto.

A matéria continua:

 “X”, de 19 anos, identificado como “XXX”, matou dois “Zs” a facadas e feriu gravemente uma mulher e uma criança pequena antes de ser morto pela polícia na cidade de ...

O chefe de polícia da cidade, “Y”, disse que “X” esfaqueou várias vezes um homem, sua mulher e o filho dos dois antes de atacar e matar outro homem.

A porta-voz da polícia, “A”, disse que “X” ainda pegou uma arma que estava com um dos homens feridos e abriu fogo contra policiais e turistas.

Outro caso: no fim da matéria que trata de um assunto, um outro completamente diferente, sem nenhuma relação de causa/consequência com o primeiro – no caso em que li, apenas o país envolvido era o mesmo.

Acidente envolvendo carreta e ônibus mata “x pessoas” em ...

Batida destruiu veículos na estrada que liga a capital, “Y”, a “Z”...

A matéria segue normalmente, com detalhes sobre a tragédia. No fim, surge um parágrafo perdido, encabeçado por um novo título:

Execuções. Também ontem, o governo “Z’ executou seis integrantes do “grupo C” acusados do crime de “D”. A punição...
 
Certamente, um elevado número de leitores não leu essa parte final. Para o jornalista, é sabido que se deve deixar as informações mais importantes no começo do texto, porque parte significativa das pessoas só lê o primeiro parágrafo.

Em um momento tão carente de valores, princípios, transparência em todas as relações, acredito ser fundamental questionar, desconfiar, buscar mais informações de qualidade.

Para mim, ignorância por quem tem o dever de informar é algo muito grave, especialmente se há meios para saber do que se fala. É preciso se aprofundar nos assuntos que demandam conhecimento.

Também é dever informar com imparcialidade, levar ao leitor um retrato da situação apreciada, para que o leitor possa formar sua própria opinião. É claro que isso não vale no caso de um artigo, do texto de um colunista, que precisa mesmo emitir sua visão sobre o tema.

Ouvir os dois lados é algo que ensinamos às nossas crianças. Onde erramos? Por que os adultos de hoje não aprenderam isso?
 
ADRIANA Gordon
Coordenadora de redação da LB Comunica,
advogada e mãe em tempo integral

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