8.01.2018

A vírgula e os milhões



Dizer que a pontuação pode mudar o sentido de uma frase todo mundo sabe! “PREMER PARA PUXAR PARTE”, as quatro palavrinhas esquisitas, colocadas uma abaixo da outra, presentes nas paredes de quase todos os elevadores de antigamente (e até em alguns atuais!), estão aí para não deixar ninguém se esquecer da importância das vírgulas, dos dois pontos, do ponto e vírgula, entre outras pequenas marcas que deixamos no papel, no computador ou no celular.

Mas até aqueles que dão pulos de alegria ao discutir as regras do idioma devem ter se surpreendido com a indenização milionária que uma empresa norte-americana teve de pagar a seus empregados. E tudo por uma vírgula mal utilizada! Li matéria* interessantíssima de Cássio Casagrande contando o caso e tento resumir:

A situação ocorreu com motoristas de uma indústria de laticínios. Eles pediam o pagamento de horas extras e a companhia entendia que elas não seriam devidas. Era uma questão de interpretação da lei, e cada parte achava que estava seguindo rigorosamente a legislação. Isso porque a norma do Estado de Maine (EUA), onde ocorria o conflito, determinava que as horas extras deveriam ser pagas com adicional de 50%, mas que havia trabalhadores sem direito a elas por não estarem sujeitos ao controle de jornada. Seriam aqueles contratados para as seguintes atividades:
“envasar, processar, preservar, congelar, secar, rotular, armazenar e embalar para expedição ou distribuição de:
Produtos agrícolas
Carne e peixe; e
Alimentos perecíveis”.

Os empregados consideraram que apenas quem fosse “envasar, processar, preservar, congelar, secar, rotular, armazenar e embalar”, quando estas atividades fossem para finalidade de expedição ou distribuição, estivesse entre os que não têm direito ao benefício. Já a empresa considerou que a simples atividade de distribuição também excluiria o direito às horas extras. Por estar depois de “ou”, que indicaria o último item de uma lista, a palavra “distribuição” abrangeria aqueles que trabalham nesta atividade, isoladamente, no entendimento dos patrões. Uma questão polêmica que envolve o uso ou não da chamada “vírgula de Oxford”.

É confuso. Para ajudar a entender, o autor da matéria exemplifica a diferença de sentido quando se usa ou não a vírgula de Oxford: “’na sobremesa, temos, além de frutas, sorvete de creme e chocolate’ seria diferente de ‘na sobremesa, temos, além de frutas, sorvete de creme, e chocolate’. Sem a última vírgula, o chocolate poderia se referir ao sabor do sorvete e, com ela, se torna um item distinto do cardápio”. Ou seja, poderia ser uma barra, um pedaço de chocolate, e não um sabor a mais. Casagrande explica ainda que a obrigatoriedade do uso dessa vírgula é um tema que divide opiniões entre os norte-americanos, suas escolas e universidades.

No final, portanto, venceu a tese dos empregados. Eles argumentaram que, se o legislador quisesse incluir entre os desfavorecidos pelas horas extras aqueles que trabalham simplesmente na distribuição, precisaria ter usado a vírgula de Oxford, que viria antes de “ou distribuição”.

Para nós, na prática, o mais importante é passar a mensagem correta. Seja em leis, manuais de algum produto, informativos, anúncios, ofertas de qualquer tipo, contratos, é preciso cuidado na escrita.

Amiga A: “Oi querida, está ocupada? Posso pedir uma opinião?”
Amiga B: “Não posso falar.” Ou “Não, posso falar!”

Nas relações pessoais ou profissionais, escolher bem as palavras e revisar tudo o que se escreve podem evitar confusões!

Depois desse processo dos trabalhadores, sabemos que pontuar mal pode não apenas gerar desavenças ou mal-entendidos. Escrever errado pode causar enormes prejuízos.

*A matéria citada é de autoria de Cássio Casagrande (Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro) e foi publicada em 25 de junho de 2018 no portal Jota 


ADRIANA Gordon
Coordenadora de redação da LB Comunica,
Advogada e mãe em tempo integral

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